sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

10

 




O número 10.

O dobro de 5.

Em linhas futebolística, um manto.

Com certidão de paternidade. 

O número 10.

Nasceu.

Imortalizou.

Virou sinônimo de genialidade.

O 10. Nada de 32, 48, 11, 12, 27 ou tantas outras aberrações numéricas do futebol comercial. 

O 10 é romântico. É a segunda pele do homem de passe perfeito. Das arrancadas do Olimpo. Do arremate cruel.

O 10 não pulsa. Faz pulsar. Alarida multidões. Operários, desempregados, donas de casa, empresários, velhos, jovens e crianças. 

O primeiro 10.

O original. 

Era negro. Como a noite. Encantou e assombrou gramados em seu uniforme alvo.

De um negro perfeito a combinar com o amarelo. De sorriso aberto, até quando abatia seus adversários. Um a um. Equipes inteiras caiam admiradas.

O negro perfeito.

O 10.

A palavra de 4 letras.

Pelé.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Faltou a sorte

 



A sorte também joga.
A sorte entre em campo.
Há coisas no futebol que não são fáceis de se explicar.
Um bote bonito no meio de campo.
A bola sai contra a meta. Arma o contra-ataque.
A defesa em movimento para trás.
Um passe para linha de entrada da meta.
O chute foi fraco. Havia a intenção de gol. Mas fraco. Mal executado.
Iria dormir nas luvas do goleiro. Seria uma defesa simples. Mas, por capricho da sorte, desviou na perna protetora de Marquinhos. Passou covardemente diante de Tiago Silva. A televisão é  cruel.  O replay é  cruel. Muitos dirão que poderia ter se jogado na bola. Mas, havia a sorte. E a sorte escolheu o lado.
Pênalti?
Fico com a definição clássica.
Pênalti é  loteria.


Sobre a eliminação brasileira diante da Croácia nos pênaltis (0×0 no tempo normal, 1x1 na prorrogação. 4x2 Croácia nos pênaltis)

09.12.22

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Desconfiança na foto

 


Nunca convenceu,  e não seria em um momento decisivo que iria brilhar.
Havia outros.
Fosse um zagueiro de coice bruto.
Fosse o goleiro.
Fosse o médico.
O presidente.  Qualquer um.
Na foto. Na caminhada para a cal já entregava o resultado. E a televisão não perdoa. Seu desespero percorria cada milímetro do corpo, em slow motion. É  muita crueldade.
A corrida.
O chute.
O abrir os olhos.
O desespero.
A mão  na face.
Tudo parecia ensaiado.
As câmeras procuraram o desespero,  o choro. Uma capa para o jornal de quinta.
E Vital, até que enfim encontrou sua vitrine.


Sobre a final da Copa do Brasil de 22

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Miopia polarizoide

 




O Corinthians perdia para o Internacional porto-alegrense, mal havia começado a partida. No segundo lateral colorado. Alemão, na área,  entre os dois zagueiros, não tomou ciência.  Pane geral na defesa alvinegra e bola do jeito que deu, no canto superior direito de Cássio.
O time de Parque São Jorge precisou do gol para jogar, e jogou foi um bom jogo que fechou em dois gols para cada lado.
Até aí, tudo bem.  Em campo, nos comentários televisivos e radiofônicos.
Isso, até entrar a rede. Essa meu amigo, é ecconiana. Em época de polarização,  assume-se no expoente N.
O gol de empate do Corinthians veio antes dos vinte minutos.  Ponte aérea da boa defesa alvinegra.  Gil para Balbuena, esse para o fundo das redes. Literalmente,  para o fundo das redes.
A polêmica estava formada.
O zagueiro corintiano comemorou seus gols em postura de continência. Bastou para o pessoal sem filtro entrar em ação. Em caixa alta: VERGONHA, ZAGUEIRO DO CORINTHIANS FAZ GOL, E PRESTA CONTINÊNCIA AO BOZO.
Comentário sem fundamento.  Poderia pesquisar na rede. E veria que o xerife alvinegro, comemora assim desde sua primeira passagem pelo timão.  Quando a polarização estava somente no Fla-Flu, no Corinthians e Palmeiras,  ou em um Grenal. Em um mundo pré-Bolsonaro.
São anos de continência daquele que ficou conhecido como El General (está na mídia do clube). Referência à  sua liderança na zaga.
Sua continência é democrática, apaixonada.  Presta-a ao povo, à  nação corintiana que clama, que lhe ama e lhe cobra. O resto é boato de hater.

Sobre Corinthians 2x2 internacional de Porto Alegre e a rede social
04.09.22

segunda-feira, 11 de julho de 2022

Salve São Benedetto. Salve São Cássio

 


Não há como negar. Independentemente do que ocorrer daqui para frente no certame, a batalha do La Bombonera tem dois heróis.
Não há vilões. Há heróis com trejeitos de santos.
O estádio tremia. Lotado, com torcedores apaixonados saindo pelo ladrão.
A imprensa brasileira já havia alertado, dê W.O., sai mais barato.
Alguns, no auge sua prepotência diziam, É IMPOSSÍVEL.
E embarcou. Com o time completamente desfigurado, o Corinthians fez um mergulho na sorte. Na sorte não. Na fé. Mal sabíamos que o enredo da história ainda tinha muito para ser escrito.
Foi um jogo apático, estava tudo encaminhado para mais uma eliminação na Libertadores da América. Sufoco do primeiro ao último minuto. Em pouco mais de vinte minutos de jogo, pênalti para o Boca, e eis que a história começa a se desenhar. Benedetto, o craque de You Tube caminha para bola. Não deu outra. O santo dos pés tortos, como um fauno tragicômico silencia os milhares de fanáticos em sua arquibancada.
Foram quase cem minutos de Boca. O Corinthians se agarrava no que dava. E deu. Final da partida Boca Juniors zero, Corinthians zero.
A sorte estava lançada.
Tudo seria definido nos pênaltis.
Os céus se abriram naquele momento, uma luz muito forte iluminou Cássio, seu tamanho mais que dobrou. Talvez seja assim que alguns torcedores alucinados e já preces o tenham visto.
Mas, não foi isso que aconteceu. Cumprindo um ritual futebolístico, Cássio, caminhou lentamente para o local das batidas. Pacientemente, aguardou uma a um os seus batedores.
O final da história todos já sabem, estava nas primeiras páginas das gazetas esportivas da manhã seguinte. Manchetes escritas madrugada adentro. Criaram santos, heróis e bandidos, mas não sem reconhecer a inegável importância de cada um para o enredo da história.
Na manhã do dia 07 de julho, os corações apaixonados bradavam pelas ruas, nas redes sociais e nos santuários:
Louvado seja São Cássio Criticado.
O santo das causas improváveis. O santo desenganado.
Louvado seja São Benedetto Boca Junior Di La Bombonera. O santo dos pés tortos.
Santos que na noite de 06 de julho de 2022, fez fiéis deslocarem-se de joelhos às igrejas, saírem em romaria fora do calendário católico. Carregaram maquetes do famigerado estádio sobre as cabeças. Joelhos de cera, fotografias e faixas. São Cássio virou santinho de carteira.
Tem o santo, está defendido.
Lotaram as igrejas.
Silenciaram a imprensa.
Na noite de 06 de julho de 2022, os jornais tiveram que rever a pauta.

quarta-feira, 2 de março de 2022

A mensagem cabulosa




Uma coisa que aprendi com o futebol é que quem entra em campo não gosta de ser esquecido, ainda mais se o esquecimento for na mídia. Aí, o sujeito fica magoado.

 Recentemente, fui convidado para participar de um programa esportivo local. Pauta boa, mais de uma hora de resenha. futebol, fotografia e educação. A conversa rendeu, compartilhei o link do programa com os amigos, esse foi o meu erro. Imagina a confusão.

Teve sujeito que não assistiu e criticou. Outro que ficou colado no aparelho celular por mais de uma hora, e se sentiu ofendido por não lhe dar destaque. Alguns foram no embalo, "se fulano falou que não falou, eu concordo e ficou puto". Mas, o pior estava por vir. Compartilhei o material em um grupo de amigos, aqueles das antigas. Para explicar do que se tratava mandei um áudio.

- Pessoal, participei lá do programa, falei do nosso antigo time do Grilinho. Lembrei de todo mundo ai, Principalmente do grande zagueiraço Claudiorico Sossego. E não podia faltar o Zé Bagaça...

O estrago estava feito. O cara nem assistiu a entrevista já soltou o áudio.

- Então Indião nesse time aí só tinha o Zé Bagaça e o Sossego então? O resto da rapaziada não existia então? Só jogaram os dois então? Aí você está de brincadeira...

E ainda fechou o áudio dizendo: Isso não é uma crítica, é uma observação só. Para ser sincero, parecia mais um ultimato. 

Para remediar e acalmar a fera, mandei o minuto da entrevista em que abordava a equipe. Queria que visse o carinho que dispensei ao pessoal. Não teve jeito. Logo apareceu um terceiro que já enfiou gasolina no fogo.

- kkkkkkkkk. Observação rapaz, era um time de dois.

O homem saiu de si, virou uma fábrica de áudios. Nunca, em quatro anos de grupo, houve tanta agitação. E tudo. Tudo por causa de uma entrevista que o pessoal não havia assistido. Sequer deram a chance à dúvida. 

- Ei Zé, então era um time de dois né? Então tá bom. Quantas vezes eu te consagrei hein? Mas tá bom, é isso ai mesmo, tá valendo.

Sequer molhou o bico e soltou outra. O sujeito realmente estava magoado.

-  eu sempre dava trabalho né? Vocês "lembra" que tinha o terno que dava trabalho? Então é por isso né? Dava trabalho mas comparecia lá na hora do bicho pegando comparecia. Mas, tá bom.

Estava em um misto de decepção e raiva a ponto de não reconhecer um de seus interlocutores. Quando descobriu já foi logo se desculpando.

- Oh, Polaco desculpa. Eu nem sabia o seu nome. A gente sempre te conheceu por Polaquinho. Jogava muito também. Mas, é isso aí mesmo, eu não estou com ciúmes de ninguém. eu não tenho ciúmes nem de mulher, vou ter ciúmes de peão. Vai te lascar...

E já soltou outra: eu não joguei no time do Grilinho não. Eu joguei no time do Violin, do time nosso ali. 

Aí virou tudo. Durante anos, nos identificávamos como o time do Grilinho. Sequer podíamos mencionar Violin na rádio, ou na Liga. O time havia sido banido. Nos anos iniciais, era o Time da Quilombo dos Palmares, da Escola de Samba. Tempo depois, o time do Rogério, até desaparecer.

Mas a conversa não acabou, o homem estava bravo. foi interrompido por um dos membros.

- Eu também não joguei no time do Grilinho não. Eu joguei com você, com o Cristiano, Com o Zé, com o Indião. O time era bom. 

Não aguentou, cobrou o seu lugar ao sol.

- Eu também tenho muita história. Joguei no Sol. Grêmio Literário, Fazenda Berardi e por aí a fora. Mas, faz parte, eu também não joguei no Grilinho não. Um dia nós "se encontra" e bate um papo. Falou.

Nesse momento faziam uma resenha que há muito não se via, passaram a revisitar o passado, e percebia nas palavras o saudosismo. 

- Então Polaco, é você lembrou das fazenda aí. Eu também joguei numas pá de lugar aí. De fazenda, desses "baguio" aí, mas é que a gente não teve prosseguimento no "baguio" né. Já jogamos com jogador que hoje está na mídia, mas na verdade.,. Isso era tudo história nossa. dentro do Jardim do Sol, meu irmão do céu, o pau caia a folha.Caia folha bonito. Mas, tamo junto. Um dia nós se tromba aí.

Nesse momento, entra um outro membro e já solta uma.

- Tá de fogo rapaz?

Para irritar deixa-lo mais irritado, o provoquei, lembrei de seu Palmeiras e reforcei a fala de que estava de fogo e enciumado. Pois, afinal de contas estava criticando o que não viu.

O saudosismo passou rapidinho. O homem ficou uma fera. 

- Você errou hein. Não estou bebendo desde as cinco da manhã não. Estou bebendo desde as três da manhã. Você já começou errado tá vendo? E é o seguinte, o melhor zagueiro que eu já vi jogar foi você veio. Sabe porque? A cada enxadada era uma minhoca que saia. Com você não tinha boquinha. Alá Lugano da vida. 

Riso geral. Mas cortou rápido.

- Ei Índio, nós não gosta de Mundial. Você já deve entender, nós não curte Mundial. Nós gosta só de ganhar Libertadores, Brasileiro, Copa do brasil e tudo isso daí. O Mundial não interessa pra nós. Pode zoar nós aguenta borrachada.

Riu e voltou a falar sério.

- Mas eu ainda continuo dizer. Você foi o melhor zagueiro que vi jogar. Jogar não né, Debulhar. Você era aquele zagueirão raiz né? Salve-se quem puder. E quando estava chovendo então, era só alegria. O Sossego jogou muito era aquele sossego dele. Até para bater nos caras tinha dó. Agora você? Não tinha dó não. Vá te lascar.

Em meio a análise crítica de seus antigos companheiros de defesa, aparece nosso antigo atacante, e já solta uma.

- Neste time não tinha atacante.

O homem já estava virado na raiva de não ter seu nome dito naquilo que ele sequer assistiu, apenas ouviu o áudio que enviei junto com o material, e com essa, voltou a pegar ar.

- Então Ricky só tia zagueiro nesse time aí, vai vendo a patifaria que tá.

Polaquinho que estava quieto só esperando a deixa, solta mais uma.

- É não tinha atacante nesse time. Nem meio de campo tinha. Era só zagueiro.

Incrível. Os três estavam fazendo uma crítica de um programa que sequer havia aberto o link. Não viram, deduziram o conteúdo por um áudio que homenageava nosso zagueiro Claduirico.

Eis que surge um outro relembrando meus velhos carrinhos.

- O time não vencia para fazer  calção pra ele. Era um carrinho e já rasgava.

- Por isso que falo que o Indião era zagueiro raiz. Raiz de grama nem o calção aguentava.

Em meio a conversas atravessadas, aparece um sexto membro. Dá um salve geral. Já foi interrompido por nosso atacante que indignado com a entrevista que não assistira, cobrava o reconhecimento imediato de todos. O homem, tomou-se em razão e ignorou a conversa atravessada dos outros membros. Naquele momento, selecionava o que responder.

- É isso aí, você falou tudo. É isso ai mesmo. Tem que lembrar de todo mundo. Todo mundo se fodeu. Todo mundo passava uns perrengue. E pensa num perrengue que nós passava. Era vaquinha daqui. Vaquinha dali. 

Com um dos membros do grupo na final do Camisa 8, a conversa mudou de rumo por alguns minutos. Era um pessoal reclamando de não ter mais condições de jogar por estarem acima do peso ou sem condicionamento. Outros querendo o local para irem acompanhar. A resenha parecia ter mudado de ruma. Mas, um havia sumido da converso por volta de uns dez minutos. e voltou.

- Mas é verdade sim Indião, vi lá sim. Meu atacante matador. Sei que esses caras metia o fumo né mim lá né meu. Que tinha que deixar o goleiro deitado no chão, mas... Naquele tempinho o baguio era louco.

Mais calmo, e parece que haviam lhe dito que não tinha esquecido dele e nem de nenhum dos demais. Retoma a homenagem que fiz no áudio da discórdia.

- Mas, o Indião levantou a bandeira do Sossego. O Sossego era um cara que jogava mesmo. Isso aí, eu não tô puxando o saco de ninguém que eu não sou de puxar o saco de ninguém não. Mas, o Sossego, sério mesmo. Ele era o estilo... Vocês podem até duvidar. Ele era estilo aquele Mauro Galvão. Quem viu o Mauro Galvão jogar? Nâo batia em ninguém e só tomava na manha. Só nos atalho. Na malandragem. Jogou muito. eu não tenho nem o que discutir.

Toda vez que a guarda baixava, surgia os momentos saudosistas. Afloravam as memórias de um tempo longínquo dos idos de 1990.

- Concordo. Mas, na verdade aquele time nosso era muito bom. Muito unido. Um time muito raçudo. Muito bom. Tanto o de suíço. Muito mais o de salão. a gente bagaçava. Na quadra do Violin não tinha pra ninguém, só dava nós.

- Na quadra do Violin nós mandava. Quando via que não tava aguentando mais , nós afrouxava pros caras entrar. Mais de vinte time esperando. Meu Deus do céu. Oh tempo bom. Hoje você vê essas quadra aí vazia né meu, dá desgosto que a molecada não quer saber disso aí mais.

- Esses dias eu estava na feira, e trombei com um dos dois irmão que morava lá na esquina perto da quadra. Um que jogava na linha o outro no gol. Um fala que até hoje não pode me ver. que tem raiva de mim até hoje. Um dos irmãos que catava no gol.

- Mas, aí é foda, você deitou e rolou nos cara. Que isso, você zoava os caras, o cara deitado no chão e vê... O goleiro mesmo dava dó. você está falando do terno lá da esquina né?

- Aí fazia as trapalhada. O Zé e o Sossego ficava louco por que eu não fazia gol logo.

Passada a resenha toda, a raiva de uns que não assistiram a entrevista, e talvez, não assistirão. A alegria daqueles que se viram lembrados pois foram, por curiosidade, verificar o trecho indicado. Segui minha rotina. Chuteira na mochila e vamos embora. Por volta das dezenove horas, eis que vejo entre tantas outras mensagens atravessadas, uma específica. Era o grande Cladiorico, nosso zagueiro clássico.

- O cara ficou bravo contigo malandro. Tá bravo até umas horas. Te agradeço demais que isso rapaz. Parceiro é parceiro. Te agradeço mesmo de ter lembrado da gente. Do nosso time das antigas. E tamos aí.

E não é que o cara ficou online o dia todo. As dezenove horas e trinta e cinco minuto, fechou a noite e soltou.

- Eu num tô bravo não mano. eu só tô falando a real do que rolou no grupo aí veio. Porque só lembra de um, dois, três e o resto nenhum presta. Nós todo mundo sofreu. E outra, quantas caminhadas nós fez? Mas eu não tô bravo, não só meio que descarregando. E você jogou demais. Era o Mauro Galvão da vida. Belê? Fui.

Realmente não assistiu. Talvez nunca assistirá, e não me verá descrevendo cada atleta do elenco. Contando nossas histórias. Mas, como ele mesmo repetiu várias vezes. Faz parte.












terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

O Pé de frango

 


Não dava outra. O galo cantou, vinha de onde estivesse. De noite virada ou dormida. Descia o morro. Era uma marcha religiosamente elíptica e devota. 

Era o primeiro a chegar ao campo. Muitas vezes, antes mesmo do pessoal da marcação do gramado.

Tinha o seu ponto predileto, e inúmeras vezes entrou em desavença por ter que negociar o espaço, algumas, aponto de paralisar a partida. Nunca admitiu injustiça, ainda mais quando a vítima de tal covardia era ele mesmo.

Assistia os noventa minutos em pé, caminhado por toda a extensão da lateral do barranco. Nem policial o tirava dali. Era caso perdido. Andando sobre a linha, dava tapas na bola nas cobranças de lateral. O adversário não tinha paz. Gostava de resenhar na cabeça dos atletas, e ai de quem caísse por ali. Entorpecia os alas com seu aroma inebriante do fundo dos “Copo Sujo”. Era um odor de três noites curtida em cana.

Volta e meia, fazia malabarismos na linha lateral a ponto de motivar um mutirão para cercarem o campo da vila.

O copo?

Já dispensará há uma década. Sequer havia viva alguma testemunha dessa fase.

A cena se repetia em todos os domingos. Era como ir à missa. Aparecia no campo, mais que muitos jogadores. Sempre a posto, com xingamento na ponta da língua. 

Dizia que isso motivava os meninos.

Não passava um. Da entrada do elenco ao apito final. Eram muitas as homenagens.

Atletas novos, principalmente os jovens vaidosos, ainda sem casca, azedavam com o sujeito. Muitos, a ponto de ir para os finalmente. De tentarem agredi-lo fisicamente. Mas para isso, sempre existiu a turma do deixa disso.

Outros, colocavam as condições. Ou ele ou eu. 

E quem manda em bêbado?

E lá ia mais um atleta tentar a sorte em outro clube.

Era a peleja perfeita, o duelo, do pé de frango contra os pé de rato.

Entre o escárnio e o tumulto do final das partidas, as manhãs de domingo se enchiam no empoeirado campo do fundo de vale.